Entrevista com o treinador Luís Spadetto

 Entrevista com o treinador Luís Spadetto

Foto: Mzartys

Luís Spadetto: Jovem e muito competente treinador regressa à Europa

O técnico italo-brasileiro Luís Spadetto, obteve excelentes resultados a nível profissional mesmo com pouca idade e agora em uma nova experiência no Brasil, na base. Fomos em busca de informações sobre seu perfil e concluímos que a liderança, intensidade e criatividade ofensiva são as principais características do jovem treinador. Spadetto deixa o Brasil para regressar à Europa, onde diz ter um ciclo a cumprir.

Longa a sua experiência no Chievo Verona, Luís nos deixou uma esplêndida impressão seja do ponto de vista profissional, seja do ponto de vista humano. Luís demonstrou grande competência e com grande motivação. Características que o irão levar seguramente a se tornar um profissional de alto nível.

Quem é Luís Spadetto do ponto de vista profissional e onde já esteve?

Resp: Primeiramente preciso dizer que me sinto um privilegiado por estar podendo falar com vocês e estar no contexto futebolístico em que estou, nasci nesse ambiente gosto de estar no futebol. Sou ex jogador profissional de futebol, cheguei em Portugal com 17 anos e lá permaneci muitos anos, estive também no Uruguai e Itália. Tive minha primeira experiência como treinador no Brasil logo após ser jogador, fui treinador auxiliar em Portugal, também estive no Chievo Verona da Itália, funções de analista e auxiliar, tudo em ambiente profissional. Meu último trabalho foi como treinador da base no Sport Club Internacional e coordenador das técnicas individuais.

Como foi sua experiência na base do Sport Club Internacional?

Resp: Muito válida, muito intenso e prazeroso, lembrarei com muito carinho de tudo e de todos. Meu trabalho diário foi claramente na melhoria e evolução dos jogadores, evolução que também passa por saberem jogar em equipe, que os atletas buscassem entender o jogo, busquei jogar de uma maneira que promovessem os jogadores e o clube, que valorizassem ambos, que fizesse os jogadores crescerem para o clube, para eles próprios, para vida e para o jogo.

Luís Spadetto
Foto: Mzartys

E por não ter trabalhado com jovens, como foi essa aventura?

Resp: Nunca tinha trabalhado com jovens mas como jovem, fui um deles,  alguns anos atrás estive no mesmo lugar, na mesma função e para mim as vitórias em uma base são diárias, cada aprendizagem de um atleta sobre um conteúdo e fundamento era uma vitória para mim. Foquei muito que os jogadores aprendessem a jogar o jogo, dentro dos momentos e fases dele, através de vídeos, palestras, conversas, perguntas, muitas perguntas.

Deixei quase toda minha competitividade de lado que carrego desde a infância para focar exclusivamente na aprendizagem dos jogadores. Fui muito exigente com eles nos treinos, muito mesmo, porém fora do campo minha relação era muito próxima. A exigência era para despertar o melhor deles com atenção e foco, que para mim está de mãos dadas com a aprendizagem. Te dou um exemplo, todos tinham muita técnica mas erravam domínios e passes insistentemente pelo descaso dessas duas ações pois elas se repetem com frequência durante o treino (dominio/passe), eu sabia que estes erros não eram só técnicos mas na maioria das vezes por falta de atenção e de preciosismo nas ações. Eu vi muito talento, o Brasil ainda é o maior celeiro de atletas no mundo. O que vi de jogador bom foi impressionante.

Qual tipo/estilo de jogo o Spadetto busca em suas equipes?

Resp: Quero fundamentalmente um estilo de jogo que promova os jogadores e o clube onde estou, todos atacam e todos defendem, um jogar coletivo. Procuro analisar que tipo de jogadores tenho a disposição, quais as características de cada um e explorar o máximo das características deles buscando evoluir também, crescer dentro de um processo, tudo isso para encaixar dentro de uma ideia.

Acredito que aquele que tem a bola comanda o jogo, em função disso me preparo para atacar com qualidade e precisão quando possuímos a bola, não importa se é 30% de posse ou 70% se temos bola gosto de atacar com qualidade, critério, princípios, atacar preparado também para uma suposta perda da posse, isso é essencial para se atacar com qualidade. Sobre a minha forma de defender, como acredito que quem tem bola manda no jogo, não penso que permitir que o adversário comande o jogo por muitos minutos seja a melhor opção para se defender bem. Não posso defender somente para proteger o gol, gosto de defender para voltar a atacar, é possível sermos perigosos mesmo no momento defensivo.

Qual sua maior influência e motivacao nessa ideia de jogo?

Resp: Todos nós temos influências em nosso percurso enquanto estamos ainda estruturando nossas ideias, aos poucos percebo que o que mais se encaixa comigo  é um jogo dominante, dominar os timing’s de ataque, o espaço e ritmo do jogo, pressionar alto o adversário, impor o ritmo de acelerar ou desacelerar quando o jogo pede, se tem espaço aceleramos o jogo, se não tem espaço buscamos criar. Esse tipo de jogo é que procuro, criar uma diversidade grande em termos ofensivos, sermos constantemente pressionantes e intensos defensivamente. É um jogo de domínio e leitura do contexto, saber interpretar as jogadas para tomar boas decisões.

Em termos de modelo de jogo, que momento do jogo você dá mais preferência?

Resp: Não consigo ver dessa maneira o jogo, desassociado. Gosto de pensar em todos os momentos ao mesmo tempo. Gosto de pensar em atacar estando prontos para defender, como nos equilibramos e em defender pensando como estamos preparados para atacar. Está tudo ligado a isto.

Luís Spadetto
Foto: Mzartys

Você se considera um treinador mais ofensivo?

Resp: Se ser ofensivo é brigar pela bola e espaço para atacar mais vezes que o adversário, sim, sou mais ofensivo. Mas gosto de sentir que minha equipe sabe defender quando a bola está com o adversário, que está preparada para defender sendo perigosa se recuperarmos a bola. O futebol é muito estratégico, por vezes cada jogo é uma estratégia diferente. Porque vou manter posse de bola se o adversário já nos oferece os espaços para acelerar as jogadas?.

Muitos pedem que os camisas 10 e atacantes façam a diferença, mas precisa chegar bola boa para eles, não é bola na cabeça, joelho e pescoço ou só para eles correrem. A construção baixa é para conquistar as zonas altas, juntos, compactos e isso ajudará até mesmo no momento defensivo pós perda, mas essencialmente para fazermos a bola chegar com qualidade nos homens da criação, os homens que todos pedem que façam a diferença, mas poucos entendem que para eles conseguirem fazer diferença em zona alta, precisamos conquistar zonas mais baixas. Se a construção não é bem feita, as outras fases e etapas do jogo dificultam. Não é uma questão de bola curta ou longa, é sobre passes e domínios de qualidade, bola correta para quem desequilibra o jogo Desorganização e anarquia, é diferente de harmonia com a complexidade do jogo.

Se fala muito em Espaço no futebol, pode nos dar teu entendimento sobre esse tema?

Resp: Sempre Temos que nos perguntar, onde é que queremos criar espaço? Onde podemos explorar o espaço que o adversário nos oferece ou espaço onde estão nossos jogadores mais desequilibrantes. Eu peço aos meus jogadores para olharem uns para os outros e saberem ocupar os espaços, linhas. Busco passar aos jogadores que o espaço tem, ele está lá, cabe a nós encontrarmos e saber o Timing de entrada nele, pois existe um determinado tempo para entrar. Se nos fecham fora se abre dentro e se fecham dentro se abre fora, essa leitura constante do contexto para descobrir espaço é o jogo, mas também podemos provocar com desmarcações e atrações para abrir o espaço que queremos.

Quando eu falo no espaço em minha concepção estou também falando de linha de passe, encontrar espaço está ligado a encontrar primeiro uma linha de passe no espaço. Por isso digo aos meus jogadores não buscarem a bola e sim o espaço, se achas o espaço a probabilidade da bola te encontrar aumenta. A bola te encontra se te moves bem, se procuras ser linha de passe sempre. A linha de passe e espaço talvez possam estar na profundidade (nas costas da linha defensiva rival). Se mova, observe e tome a decisão, talvez só tenha que estar no lugar onde já estás…

Como o Luís organiza essa dinâmica e esse processo de trabalho no treino?

Resp: As ideias precisam estar muito claras porque a comunicação é fundamental. Temos que ir aos poucos construindo o nosso jogo, vamos introduzindo as coisas, adicionando detalhes e mais detalhes e isso não tem um fim, é um modelo de ideias que está aberto. Existem princípios que não abro mão, mas penso sempre no contexto onde estou, nos jogadores que tenho à disposição e como encaixar as características deles dentro de uma ideia e como os potencializar para assim uma melhor funcionalidade, harmonia e fluidez da ideia. Preciso que os jogadores se sintam à vontade com a ideia, é potenciar ao máximo aquilo que é individual para o coletivo, dentro de um coletivo. Treinar é definir comportamentos para o contexto, trabalhar desde o primeiro dia a ideia, estimular os jogadores e ir ver crescendo o produto, se vai ganhando forma até o domínio dos princípios e subprincípios de jogo nos diferentes momentos de jogo.

De que forma que nós podemos como treinadores influenciar os jogadores, temos o treino coletivo normal e o treino complementar individual. Como gere essa relação do ensino do jogador?

Resp: A prática na minha opinião é onde está todas as verdades, por muita teoria que você possa passar, se depois na prática não bater com a teoria, o jogador não vai acreditar em ti. O jogador precisa sentir competência, que está aprendendo mas não só na teoria, que está aprendendo na prática. Está sentindo que é melhor jogador na prática, e o que este treinador me diz realmente, efetivamente me faz melhor jogador, na prática. Portanto o trabalho individual que é feito, com apoio de vídeo que é uma ferramenta fantástica para depois servir de análise, a tendência é a evolução do jogador e quando ele sente evolução ele sente competência. E quando o jogador percebe competência ele sente que o treinador está ali para o ajudar.

Você trabalha com jogos reduzidos?

Resp: Sim, com certeza, os jogos reduzidos são exercícios muito importantes para que possamos trabalhar nossa ideia de jogo de forma específica e muito importante para evoluir jogadores. O reduzido é importante para a aquisição de um determinado princípio de jogo que buscamos. Se consolida os conteúdos precisamos repetir os conteúdos, porém não precisa ter uma bateria de exercícios para passar a mensagem do que você pretende aos jogadores. Nos jogos reduzidos trabalhamos os detalhes que darão solidez no micro e que  irão nos dar a fluidez que buscamos para o macro. Mas os jogos reduzidos só fazem sentido se tiver uma progressão para jogos de dimensão média e para espaço real do jogo pois a complexidade do jogo coletivo 11×11 não conseguimos ter no jogo reduzido o importante é percebermos que estes exercícios reduzidos são o ponto de partida para se treinar outro tipo de exercício com espaço maior.

Os Jogos reduzidos ajudam, fundamentalmente para tomar decisões e resolver problemas e servem para trabalhar o centro de jogo, são o alicerce para irmos para exercícios mais macro. Aumentar a complexidade dos exercícios e novas progressões ajudam que o exercício não pare no tempo e não gere mais aprendizagem. Muito do que está presente no jogo se consegue reproduzir isoladamente nos exercícios reduzidos. Com os jogos reduzidos sendo o ponto de partida para exercícios amplos (macro) ajuda a trabalhar o centro do jogo, desenvolver o individual, mais tomadas de decisão e tocar na bola muitas vezes. Ele ajuda a reduzir o tempo/espaço de quem joga. É importante para promovermos o aprendizado de um determinado princípio, mas também poderá ser importante para trabalhar as dinâmicas de relação, conexão e ligação entre setores.

Você mesmo de longe acompanhou o futebol Brasileiro?

Resp: Eu torço muito para o futebol Brasileiro e vibro muito com o crescimento dos clubes. Sempre acompanhei e fico realmente feliz quando desponta um projeto, ambicioso porém sólido é sério. Te conto um caso. Comecei a acompanhar o Fortaleza em 2018 na série B pois sempre admirei o Rogério Ceni. No início meu interesse era pela ida do Rogério para o clube, achei interessante a proposta do projeto. Lia notícias, acompanhei resultados e me dei conta que o Rogério Ceni era uma parte de um todo, que o projeto em si era algo muito superior, comecei a ver entrevistas do presidente, acompanhar o passo a passo do clube.

Vi que a gestão do Marcelo que fazia a diferença, ganhei admiração pelo presidente Marcelo Paz e desde aí acompanhei o crescimento do clube e hoje fico feliz pelo que o Marcelo juntamente com seu staff fizeram com o Fortaleza e penso que é só o início. Para mim Marcelo é um visionário, um líder e exemplo administrativo a seguir. Quem ganha com isso é o futebol brasileiro.

Luís Spadetto
Foto: Mzartys

Spadetto, sabemos que você tem ligações fortes com a Itália. O que tens a dizer sobre o atual momento do futebol italiano?

Resp: O futebol italiano, jogadores, treinadores e equipes italianas já deram muito ao futebol mundial, organização defensiva, gestão, jogo coletivo, ensinamentos de como ser uma equipe compacta, são 4 títulos mundiais, lembrando que ganhou a última Eurocopa. Hoje a seleção italiana passa por um momento confuso, ganha a Euro mas fica fora da Copa pela 2° vez seguida. Porém acredito que pouco a pouco as coisas voltam ao normal. São momentos, é um período de transição, acredito que a paixão que os Italianos possuem pelo futebol os farão voltar ao êxito. Itália será sempre uma referência.

Você sente que aprendeu muito com o futebol Italiano?

Resp: Quem não aprendeu com o futebol Italiano? Se não me falha a memória os treinadores italianos são os que mais venceram a liga dos campeões, a Itália como seleção possui 4 títulos mundiais e dois da Eurocopa. Os treinadores Italianos sempre foram respeitados, copiados e admirados. Arigo Sacchi um gênio da organização de uma equipe, Ancellotti mestre em gestão de grupo, Antonio Conte vem fazendo grandes trabalhos. Tenho certeza que a Itália logo tornará a vencer muito e deixar novamente um legado.

Sobre o futuro, decisão tomada? Spadetto volta para Europa?

Resp: Sim, foi difícil tomar essa decisão mas refleti muito sobre isto. Tive umas sondagens de outros clubes do Brasil e Ásia mas decidi voltar para a Europa. A decisão vinha sendo refletida, não foi de uma hora para outra. Estava em um grande clube com grandes profissionais onde tive o privilégio de trabalhar junto, representar um clube grande como o Sport Club Internacional foi e ainda é um prazer enorme. Sou grato e feliz por ter tido essa oportunidade.

Fora Itália, Brasil tem algum país em especial que te chama a atenção?

Resp: Falo sempre o mesmo, Escócia! Tenho um objetivo de trabalhar na Escócia um dia ou se não trabalhar quero viver, sou grande admirador da história que possuem no futebol e fora do futebol. Sei que são um povo acolhedor e alegre. Além do mais o Big Boss dos treinadores é de lá, Sir Alex Ferguson, o que ele fez no futebol nunca será apagado. O maior líder que já existiu nesse esporte.

Por último, Spadetto nos tempos livres e hobbies fora do futebol?

Resp: Minha mulher vai ler isto com muita atenção (risos). Normalmente meu tempo livre eu faço dele mais curto do que já é. Não tenho tanto tempo livre e quando tenho por enquanto eu não consigo me desligar do futebol. Mas gosto de andar a cavalo, passear em campos e parques, gostamos de ir a restaurantes também. Preciso melhorar nisso, confesso.

Spadetto, a pergunta final: Projetos para o futuro?

Resp: Por agora estou de férias na Itália, tenho algumas sondagens pela Europa e estou avaliando o melhor caminho. Em breve terei notícias e voltamos a falar.

Fotos: Mzartys

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Luís Paulo

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