Qual a verdadeira potência de clubes da América Latina?
Curiosos, perguntamos se os clubes argentinos eram, então, mais duros de se enfrentar. Entretanto, a resposta foi de que não. Clubes brasileiros e argentinos representam a mesma dificuldade para os peruanos.
“O que nos falta e muito é estar ao nível desses clubes [brasileiros e argentinos]. Ir até a segunda fase da Copa [Libertadores] é um drama para nós. Esse é o problema. Eu acho que para clubes peruanos, todo mundo é duro”, disse Gustavo.
O Peru nunca teve um clube campeão da Libertadores, apesar de já ter tido dois finalistas (Universitario, em 1972, e Sporting Cristal, em 1997). Porém, cada vez mais vemos o país crescendo no futebol. O número de jogadores peruanos estão aumentando nos principais centros, inclusive no Brasil, onde recentemente tivemos jogadores como Cueva, Guerrero e Trauco.
“O Peru evoluiu porque temos uma geração que nos devolveu ao lugar que tivemos em algum momento. [Ricardo] Gareca, sem dúvida, é o grande arquiteto disso”, completou.
Após toda essa discussão, dá para cravar que Brasil e Argentina monopolizam as competições de clubes na América Latina. De todas as 59 edições na história, apenas em sete não tivemos um clube argentino ou brasileiro entre os finalistas.
A Argentina é o país que mais vezes levou a Libertadores para casa, com 25 títulos. Já o Brasil tem o maior número de vice-campeões, com 15, além de também ter o maior número de clubes campeões, com dez (contra oito da Argentina).
O equilíbrio é a chave desse duelo. Por isso, precisamos também considerar a qualidade do futebol praticado nos campeonatos nacionais deles.
“Ficou um pouco injusto comparar os dois campeonatos porque houve recentemente um inchaço do Campeonato Argentino, atualmente disputado por 26 times. Quando você incha um campeonato, normalmente vai cair o nível técnico, mais times ruins entram na disputa. Há mais dinheiro e mais competitividade neste momento no futebol brasileiro, por isso comparo na América do Sul o Brasileiro com a Premier League. O Campeonato Argentino seria mais similar ao Campeonato Espanhol no momento, com dois supertimes (Boca Juniors e River Plate) e muitas equipes bem abaixo do nível dos melhores. Até pelo calendário mais puxado e exigente, os clubes brasileiros sofrem nas competições internacionais, nem sempre se dedicam devidamente aos torneios da Conmebol. O mesmo acontece com os endinheirados clubes ingleses na Europa. Já os argentinos conseguem render melhor nas competições internacionais por não ter Estaduais, entre outras coisas”, escreveu o jornalista Rodrigo Bueno.
Na Argentina, assim como no Brasil, nós temos uma discrepância da cota televisa recebida pelos clubes. Em 2016, River e Boca (finalistas da Libertadores 2018) recebiam R$ 22 milhões, enquanto Racing, San Lorenzo, Independiente e Vélez Sarsfield arrecadavam R$ 16 milhões. Todos os outros clubes da primeira divisão argentina recebiam apenas R$ 10 milhões.
No Brasil, a diferença era ainda maior. Mas, para o ano que vem, teremos mudanças no sistema de cotas televisivas. Na Argentina, também houveram mudanças, visto que o presidente Macri privatizou os direitos de transmissão do campeonato. Sendo assim, encerrou o programa Futebol para Todos (FPT), que transmitia todos os jogos da competição de forma gratuita pela TV estatal.
Não satisfeitos, a CBF e a AFA se juntaram e estão pressionando a Conmebol a destinar a maior parte das cotas das competições continentais a seus clubes, alegando que dão maior audiência para os torneios. Atualmente, na fase de grupos da Libertadores, por exemplo, todos os times recebem a mesma quantidade financeira pelos direitos televisivos.
“O dinheiro tem um peso grande nesse domínio, claro. Os clubes brasileiros e argentinos importam muitos jogadores dos outros países sul-americanos. Mas a escola brasileira e a argentina também têm méritos, ainda produzem muitos jogadores de talento. A história e a tradição jogam a favor dos clubes de Brasil e Argentina, não é só a questão econômica. Os uruguaios, também de rica história, sofrem pelo potencial menor de investimento, o mercado uruguaio é diminuto. Temos visto um crescimento no futebol de outros países. Chile, Equador e Colômbia têm apresentado times competitivos também. Mas os maiores mercados da América do Sul estão na frente, inclusive entram na Libertadores com mais representantes pelo peso da história e da força econômica”, afirmou Rodrigo Bueno, que lembra das tradições dos principais países.
Essa mudança de arrecadação pela privatização dos direitos de transmissão na Argentina acabou enchendo o bolso dos clubes, que conseguiram montar elencos mais fortes nesta temporada. Isso foi notório pela Libertadores deste ano.
“River, Boca, Independiente e Racing têm montado times muito fortes a nível nacional e continental, possibilitados por uma base de bons/ótimos jogadores mantida nos últimos anos. River, Boca e Independiente ainda mais porque contam com uma continuidade maior dos seus técnicos, principalmente o River. Atlético Tucumán tem um time de jogadores não muito famosos, mas que possuem um conjunto muito bom, o que facilita o trabalho também. Dois anos se classificando pra Libertadores e chegando no mata-mata não é por acaso. Estudiantes acredito que no time atual o que mais se destaca é a mesclagem entre jogadores com muita experiência em jogar Libertadores e jovens de grande potencial”, disse Jefferson Aires, administrador do perfil River Plate Brasil.
Entretanto, apesar da crescente recente do futebol argentino na questão financeira, os brasileiros continuam tendo um valor de mercado maior.
Segundo o site Transfermarkt, a soma de todos os elencos do Brasileirão valem cerca de 803,40 milhões de euros, enquanto a Primera División está com um valor agregado de 735,00 milhões de euros.
Nas segundas divisões desses países a diferença é ainda maior. Na Série B brasileira, a soma de todos elencos giram em torno de 203,78 milhões de euros, enquanto a Primera B Nacional argentina está valendo apenas 73,68 milhões de euros.
A comparação feita pelo jornalista Rodrigo Bueno é perfeita, visto que os clubes com elencos mais valiosos da Argentina superam os brasileiros. Entretanto, as equipes mais fracas do Campeonato Brasileiro são muito mais valiosas que as do país vizinho.
Os dois clubes mais valiosos da Argentina são o Boca (116,30 M €) e o Independiente (86,15 M €), enquanto no Brasil são Palmeiras (76,93 M €) e Flamengo (76,20 M €).
Talvez, por causa dessa superioridade financeira, poderíamos ter, no Brasil, uma soberba da imprensa e dos clubes. E, com certeza, isso nos atrapalha a jogar com força máxima. Os argentinos são mais aguerridos e raçudos, suas torcidas são mais vibrantes e marcantes.
“Eles [argentinos] são mais competitivos e muitas vez superam a técnica inferior com a raça”, declarou o narrador João Guilherme.
“Nos times argentinos, percebe-se muito mais a “força mental”, como dizem. Times brasileiros são muito instáveis, às vezes se deixam ir muito fácil em situações adversas. Um exemplo do jogo de volta entre Grêmio e River. O River esteve em situação adversa praticamente a eliminatória toda e não deixou o confronto escapar do seu alcance, nem perdeu a cabeça. Diferente do time do Grêmio naqueles minutos finais. Poderia citar exemplos de jogos de clubes brasileiros contra o Boca Juniors, mas não, risos”, destaca Jefferson, do RPB.
Além de tudo que foi discutido, um tema muito debatido em 2018 foi a influência dos países nos bastidores da Conmebol (principalmente dos nossos ‘Hermanos’).
Na Libertadores 2018, os bastidores foram bastante úteis para os times. O Santos, por exemplo, foi eliminado por uma suposta escalação irregular no mínimo curiosa, onde seu rival sabia da punição ao meio-campista Carlos Sánchez e o Peixe não. Erro de comunicação grave entre os times e a entidade máxima. Além desse caso, tivemos a expulsão de Dedé no jogo contra o Boca, que foi no mínimo estranha.
O Grêmio também sofreu com o uso dos bastidores pelos argentinos. Na segunda partida da semifinal, na Arena do Grêmio, o técnico Marcelo Gallardo estava punido e não poderia ter contato com seus jogadores durante a partida. Contra tudo, o treinador argentino usou rádio comunicador com seu assistente durante todo o confronto e, ainda mais, entrou no vestiário e conversou com seus atletas no intervalo do jogo.
“Historicamente, alguns times grandes têm lucrado com uma certa proteção da Conmebol. No passado, isso era muito mais comum, mas vimos recentemente, por conta do centenário da Conmebol, uma anistia absurda que beneficiou, sobretudo, o Boca Juniors. A entidade que controla o futebol sul-americano tem procurado copiar o modelo da Uefa e de suas competições, vem dando alguns passos bons no sentido da transparência e de sinalizar com mais justiça e rigor. Mas neste ano mesmo ainda vimos alguns casos nebulosos que deixaram margem para a interpretação de que os clubes argentinos são protegidos. Boca e River montaram bom elencos, jogaram bem a competição, mas nos bastidores também estiveram bem representados. A Conmebol precisa avançar nesse sentido, ser mais clara nas punições aos clubes, nas inscrições e regularização dos atletas, nos seus informes”, comentou Rodrigo Bueno.
De fato, o Brasileirão é mais competitivo. Porém, tudo isso está na base teórica da discussão e é muito relativo. Mas, afinal, quem venceu mais em confrontos diretos?
Em mata-mata, foram 55 confrontos, com 30 argentinos classificados, contra 25 brasileiros. Ou seja, na hora do ‘vamos ver’, os argentinos historicamente se dão melhor. Por quê?
“O problema histórico é que os times brasileiros têm dificuldade quando enfrentam [os outros] times da América do Sul. Esse estilo copeiro não encaixa na maioria dos nossos times. Todos os nossos campeões de Libertadores tinham bola e vontade. Isso é primordial para o Brasil não ser vencedor na América”, responde João Guilherme.
Na Argentina, em geral, temos torcidas muitos mais vibrantes durante os 90 minutos (não que as do Brasil não sejam). Para um brasileiro, jogar contra o Boca na La Bombonera é o fim. O clima hostil do estádio e do ambiente impõe medo e respeito. Além disso, os jogadores das equipes possuem uma raça absurda. Os argentinos não param de correr e não desistem até os fins dos jogos. Essa disposição nem sempre é vista nos brasileiros. Muitos de nossos jogadores são conhecidos pela falta de raça e de intensidade em campo.
Conclusão
Mesmo após essa longa e detalhada apuração sobre quem é a verdadeira potência da América Latina, não dá para responder a pergunta de maneira contundente. É algo muito relativo e depende de quais questões você trata como prioridade. O certo é quê: Brasil e Argentina são, disparados, as únicas potências do continente.
Os brasileiros têm a seu favor um campeonato mais competitivo, mas também sofrem com um calendário desgastante. Enquanto na Argentina o calendário é menos puxado e a disparidade técnica é bem maior, isso faz com que seus principais clubes consigam focar mais nas competições continentais.
“É complicado ser definitivo nesse tema. O histórico argentino é bem pesado, entretanto aqui no Brasil vemos uma maior quantidade de equipes com qualidade. Quando na Argentina, vemos três ou quatro equipes com bom futebol e investimentos. Fora das quatro linhas, sim, posso ser definitivo e afirmar que o Brasil é uma grande potência. Temos ótimos estádios, bons centro de treinamentos e um crescimento na área de inteligência no futebol”, responde Bolivar Silveira sobre quem é a potência do continente, para ele.
“Estamos falando de dois grandes clubes de camisa, tradicionais na competição e, sobretudo, com bons elencos. Acho que às vezes há soberba por parte dos brasileiros (clubes/imprensa) em confrontos contra times menos tradicionais. Mas não é o caso de Boca e River. Com certeza houve muito respeito por parte de gremistas, palmeirenses e cruzeirenses nos confrontos com os argentinos. Foram jogos de detalhes. Qualquer brasileiro tinha condições de passar. Os méritos são de Boca e River que foram eficientes e souberam jogar. E eu acredito que, historicamente falando, os clubes da Argentina sabem jogar Libertadores melhor do que nós”, disse Rodrigo Silva sobre quem é a potência do continente, para ele.
“Sobre o futebol jogado nos dois países, tenho duas observações. Tenho a sensação de que na Argentina estão lançando mais jovens talentos do que aqui no Brasil, até pelo dinheiro maior que circula no futebol brasileiro. Assim o futebol na Argentina fica um pouco mais dinâmico, um pouco mais intenso, há muita influência da Inglaterra, da Espanha e da Itália no futebol argentino. No Brasil, o jogo é tradicionalmente mais cadenciado, com mais troca de passes laterais, o jogo parece menos objetivo, menos vertical. Creio que a cultura dos técnicos brasileiros, com medo de perder o emprego, dos árbitros brasileiros, que gostam de picar o jogo, e dos jogadores, que gostam de se poupar em campo e simular faltinhas, fazem com que o futebol jogado no Brasil seja muitas vezes chato. Na Argentina, os melhores times buscam mais o jogo, propõem mais o jogo, são mais ativos. Vemos isso inclusive quando jogam fora de casa, vimos isso nas semifinais da Libertadores. Palmeiras e Grêmio foram tímidos, Boca e River foram mais ousados, jogaram mais.
Se a pergunta é simplesmente qual campeonato é melhor, eu respondo o Brasileiro, até pelo investimento, por ter mais estrutura,mais times competitivos, assim como acho a Premier League o melhor campeonato nacional da Europa. Mas isso não quer dizer que os melhores times e o melhor futebol do nosso continente estejam no Brasil”, afirmou Rodrigo Bueno.